O filme dos Legendários
Mountainhead é a pior coisa que aconteceu a uma montanha desde Legendários.
Três bilionários e um milionário sobem a montanha vestidos de laranja, gritam feito lunáticos num retiro apenas para homens e depois descem transformados.
Não, eu não estou falando de Legendários. Eu tô falando de algo muito pior: Mountainhead, o novo filme do Jesse Armstrong, um dos meus roteiristas favoritos, o cara que criou Succession, minha série favorita sobre famílias bilionárias disfuncionais.
Mas eu preciso ser honesto com vocês. Mountainhead é um dos filmes mais idiotas e inteligentes que eu já assisti. Mas a parte do idiota se sobressai bastante.
Era sábado à noite, e por um milagre divino 3 eventos se alinharam perfeitamente: Ulisses e Evangeline dormiram cedo, minha esposa e eu tínhamos duas horas pra assistir a um filme e Mountainhead tinha acabado de ser lançado.
O hype estava nas alturas, nós tínhamos um dos melhores roteiristas desta geração com o Steve Carell. O que poderia dar errado? Muita coisa. Mas eu vou deixar você julgar por si mesmo todos os erros narrativos cometidos por esse filme.
Venis é o presidente de uma empresa de rede social que é uma mistura de Twitter e Facebook: Traan. Depois de lançar uma ferramenta de inteligência artificial no Traan, as coisas saem do controle quando O MUNDO COMEÇA A ACABAR POR CAUSA DA REDE SOCIAL. As pessoas estão criando vídeos fakes de políticos e criando imagens de crimes que estão causando o colapso de países inteiros.
É claro que este texto contém spoilers, que no inglês significa estragar, então não acho que seja possível estragar ainda mais a experiência de quem tiver coragem de ver esse filme.
A história possui uma boa premissa, atual, mas o problema está no exagero (como por exemplo quando o prefeito da França é assassinado por causa dessa rede social, mas isso não tem impacto nenhum na história).
Quando Jesse Armstrong começou a criar essa história, a histeria por conta de IA era bem maior. As pessoas realmente acreditavam que o fim do mundo estava próximo, que as deepfakes criariam guerras e acabariam com a civilização. Hoje, a gente sabe que a maioria está mais interessada em fazer sua versão do Studio Ghibli e postar nas redes sociais. Claro, fake news criada por IA está em ascensão, mas é improvável que vejamos uma ameaça em escala mundial causada por esse fenômeno.
Incoerência é a palavra chave do filme. O mundo estava acabando, prédios, pegando fogo, pessoas sendo decapitadas nas ruas, guerras entre países, tudo começado e fomentado por fake news criadas a partir da IA da rede social do Venis, mas ele está super de boa, em um retiro nas montanhas. Ele e seus amigos tratam isso como sendo a coisa menos caótica possível, como sendo o custo para a próxima etapa: o transhumanismo. É como se o escritor tivesse pensado em todas as teorias de conspiração e ideias estereotipadas de bilionários e criado uma história onde:
→ Os bilionários querem que o mundo se exploda (literalmente)
→ Os bilionários planejam golpes de estado nos Estados Unidos
→ Os bilionários dão um golpe de estado na Argentina
→ Os bilionários querem transferir sua consciência para um computador e viver para sempre
→ Os presidentes de todos os países são incompetentes (o mundo acabando por causa da rede social, e nenhum deles tira a rede social do ar em seu país)
→ Os bilionários cortam a energia de países em tom de brincadeira, num piscar de olhos, matando bebês na incubadora, por mero capricho e divertimento.
Os personagens são simplesmente toscos. Não são como os personagens de Succession, complexos, densos. São muito… fúteis, todos, em todos os momentos. Randall é o único melhorzinho…
Randall, o personagem de Steve Carell, está com câncer, mas quer viver pra sempre.
Jeff só tá preocupado com a mulher que foi para uma suruba com a promessa de não se envolver na suruba e fica chateada quando descobre que os seguranças do Jeff a estavam vigiando na suruba (eu nunca escrevi essa palavra tantas vezes na minha vida).
Soup é um milionário que quer ser bilionário e pra isso quer um investimento no seu aplicativo de meditação e bem-estar. Ele é um otário que faz de tudo pra fazer parte do grupo. Absolutamente tudo, e é bem nojento.
O filme exagera demais na sátira. Se você o assistir como comédia, vai ser mais divertido. Mas não pode levar nada a sério. Absolutamente nada. Principalmente quando entra em cena o plano para matar o Jeff. Aí vira palhaçada. É uma comédia de erros, mas sem graça.
Enquanto Succession era carregada de alegorias e simbolismos diretos relacionados à rede de TV americana FOX e à Disney, com personagens inesquecíveis e marcantes, Mountainhead tem uma história mais podre do que o biscoito que o Soup comeu em Palo Alto. E se você assistiu, você sabe do que eu tô falando. Esse é um filme que eu vou esquecer em dois segundos… Pronto. Esqueci.
Se o Jesse Armstrong tivesse carregado um pouco mais no humor e divulgado o filme como comédia, nós estaríamos diante de uma excelente versão moderna de Idiocracia. Mas o problema é que ele se levou a sério. E com isso eu perdi duas horas da minha vida, o Ulisses acordou e eu passei o resto da noite revezando entre duas crianças pensando a noite toda nessa porcaria de filme.