O Faroeste Que Todo Escritor Deveria Ver
Uma história sobre honra, tensão e humanidade — e o que podemos aprender com ela sobre narrativa
Esses dias, finalmente tirei da minha lista Os Indomáveis (3:10 to Yuma, 2007), dirigido pelo excelente James Mangold — o mesmo de Logan e Ford vs Ferrari — e já deixo a dica: se você gosta de boas histórias, com personagens bem construídos e dilemas morais reais, esse é um daqueles filmes que ficam com você depois dos créditos. O longa é um remake do faroeste homônimo de 1957, baseado em um conto de Elmore Leonard, e recebeu duas indicações ao Oscar (Trilha Sonora Original e Mixagem de Som), além de elogios da crítica pela forma como atualiza o gênero sem perder sua essência clássica.
Mas, para além de um excelente filme, ele é um prato cheio pra quem escreve. Por isso, resolvi trazer para esta análise cinco pontos que fazem desse faroeste um dos melhores do gênero, na minha opinião — simplesmente porque esta não é uma história tradicional de velho oeste focada nos duelos, no mocinho usando branco ou no vilão vestindo preto; é uma história sobre humanidade. E, quando o cinema faz isso bem, a gente aprende sobre narrativa muito mais do que vendo uma aula teórica sobre o assunto.
Então, bora explorar um pouco desse roteiro!
1. Um protagonista imperfeito (e humano demais)
Se eu dissesse que o protagonista de um faroeste é um fazendeiro falido, manco, que não tem mira certeira e que ninguém respeita… você apostaria nele? Provavelmente não.
Dan Evans (Christian Bale) não é o típico herói do faroeste. Ele não tem presença de palco como um Clint Eastwood, nem a segurança de um John Wayne. O que ele tem é um senso de honra que beira o desespero.
Dan aceita escoltar o criminoso Ben Wade até o trem das 3:10 para Yuma não porque quer justiça ou glória, mas porque está prestes a perder sua fazenda. Ele quer ser alguém aos olhos do próprio filho. Ele quer provar para si mesmo que ainda tem valor.
Isso muda completamente a forma como nos conectamos com ele. Diferente dos heróis clássicos do gênero, Dan não está em busca de um duelo épico – ele só quer uma chance de ser respeitado. E essa fragilidade o torna um dos protagonistas mais humanos que um faroeste já viu.
2. Um antagonista que rouba a cena
Agora, se o herói é imperfeito, o vilão… bom, ele é irresistível.
Ben Wade (Russell Crowe) não é o típico bandido bruto que ri de forma caricata e mata sem motivo. Pelo contrário, ele é educado, inteligente e tem um charme que faz a gente questionar o tempo todo se ele é realmente um vilão.
A dinâmica entre ele e Dan é o coração do filme. Wade parece respeitar o fazendeiro, até simpatizar com ele. Mas, ao mesmo tempo, ele nunca deixa de ser uma ameaça. Ele joga com a mente das pessoas, manipula cada situação a seu favor.
E o mais genial? Ao longo do filme, ficamos com a sensação de que Ben Wade é muito mais poderoso do que qualquer um ali. Se ele quisesse, poderia escapar facilmente. Mas ele fica. Ele observa. Ele testa Dan Evans como um gato brincando com um rato.
E, no final, fica claro que o verdadeiro jogo nunca foi entre tiros e armas, mas entre orgulho e princípios.
3. O tema da redenção – mas para quem?
Se tem um tema que permeia todo o filme, é a redenção. O curioso é que não sabemos exatamente quem está sendo redimido.
Dan Evans quer se redimir como homem, como pai, como alguém que importa no mundo.
Ben Wade, por outro lado, tem momentos em que parece buscar uma redenção própria – ou, pelo menos, um propósito além de ser um fora-da-lei.
O roteiro brinca com a ideia de que talvez Wade enxergue em Dan algo que ele mesmo perdeu há muito tempo: um homem que luta por algo maior do que si mesmo.
E essa ambiguidade é o que torna o filme tão rico. Não é apenas uma história de “bem contra o mal”, mas de dois homens tentando encontrar um propósito – e chegando lá por caminhos completamente diferentes.
4. O uso magistral da tensão
Você já percebeu como o filme inteiro é um relógio de contagem regressiva?
Desde o momento em que Dan aceita a missão, sabemos que ele precisa levar Wade até o trem das 3:10. Isso cria um senso de urgência que mantém a tensão o tempo todo.
Mas o roteiro vai além e joga vários obstáculos pelo caminho:
Wade não tem pressa nenhuma para ir.
O filho de Dan começa a duvidar do pai.
Os capangas de Wade estão chegando.
A cidade inteira parece querer que Dan falhe.
Cada cena empurra a narrativa para frente, sem momentos de descanso. É um storytelling afiado, onde cada diálogo e cada olhar servem para aumentar o peso do que está em jogo.
E quando chegamos ao clímax… bom, aí vem o golpe final.
5. Um final que desafia expectativas
Se você nunca viu o filme, pare de ler agora e vá assistir. Sério. (Caso não assine o Prime Video, tente pelo Stremio)
Porque esse final é o que transforma Os Indomáveis de um bom faroeste em um filme brilhante.
Spoiler adiante.
No final, Dan Evans consegue levar Wade até o trem. Mas, num momento trágico e poético, ele é baleado e morre diante do filho.
O que ninguém esperava era que Ben Wade, o bandido, decidisse entrar no trem mesmo assim.
Ele poderia fugir. Poderia matar todos e desaparecer. Mas algo em Dan Evans – sua honra, sua insistência, sua integridade – mexeu com ele. E, no fim, Wade escolhe respeitar o homem que nunca se vendeu, nem mesmo diante da morte.
Essa não é uma conclusão tradicional para um faroeste. Não temos um duelo final, não temos um mocinho triunfante. Mas temos um impacto emocional que fica com a gente muito depois dos créditos subirem — e que rendeu boas conversas aqui em casa dias depois de termos assistido.
Os Indomáveis termina de forma discreta, sem grandes gestos ou celebrações, deixando mais perguntas do que respostas. E talvez seja justamente aí que reside sua força. O impacto não está na vitória, mas na firmeza de quem toma uma decisão difícil, mesmo quando sabe que o resultado pode não ser favorável.
Para quem escreve, esse tipo de narrativa serve como um lembrete claro: o que torna uma história convincente não é o tamanho do acontecimento, mas como ele revela o que há de mais verdadeiro nos personagens — seus conflitos, hesitações e limites. É isso que dá peso e autenticidade à narrativa. Quando esses elementos estão bem construídos, a história fala por si — e permanece.
Um forte abraço, e arrivederci!
Amo dissecação de filmes 👏🏻🤠