9 coisas que aprendi com 3 horas de Tarantino
Em sua entrevista ao Joe Rogan, Tarantino soltou algumas pérolas
Estava refletindo na entrevista de 3 horas de Joe Rogan com Quentin Tarantino (acho que já vi todas as entrevistas do Tarantino em podcasts e no YouTube) e, definitivamente, é uma conversa interessante. Entrevistas assim costumam render boas pérolas de storytelling e quero compartilhar as que vejo como principais
1) Tarantino lê muitas biografias
Isso pode não parecer tão importante, mas talvez seja a dica mais relevante desta lista. Notei, durante a entrevista, que Tarantino se referia repetidamente a biografias que leu. "Li a biografia de Fulano de Tal." "Ah, li a biografia dela." "Sim, ele tem uma ótima biografia." Sempre me perguntei como Tarantino cria personagens tão vívidos e interessantes. Talvez essa seja sua fórmula secreta. Biografias permitem que você entre na mente das pessoas de uma forma que nada mais faz. Tenho certeza de que, seja intencional ou não, é isso que permite a Tarantino acessar detalhes tão incríveis ao criar personagens.
2) Vá contra a corrente!
Tarantino aponta que cresceu numa era terrível para o cinema – os anos 80 (na perspectiva dele, claro). Ele acredita que tudo nos anos 80 era uma correção dos filmes de vanguarda dos anos 70. Como resultado, os filmes eram seguros, amigáveis e politicamente corretos. Tarantino respondeu a isso com: "Não quero fazer esses filmes. Quero fazer algo diferente." Por isso, seus filmes revolucionaram a indústria. Eles eram como nenhum outro filme que já tínhamos visto. Quero que você aplique essa mentalidade ao cinema e literatura de 2024. O que hoje em dia é seguro demais, o esperado? O que pode ser feito que quebre as expectativas, que vá contra a corrente, que assuste (mas não demais) aqueles que defendem o status quo do pensamento atual?
3) O personagem conduz a história
Esse é difícil para iniciantes entenderem, pois eles veem seus personagens como criações fictícias, e portanto, a ideia de dar a eles autonomia criativa parece um ataque à lógica e ao ego do escritor. Mas aqui está o porquê disso ser uma filosofia relevante. Roteiristas são muito rígidos. Eles tentam seguir a estrutura de virada de ato. Tentam encaixar os pontos de Blake Snyder. Suas intenções, muitas vezes, estão a serviço da estrutura. Se você vê seus personagens como pessoas reais, suas intenções serão muito mais puras. O que eles dizem e fazem vai direcionar sua história para uma direção mais única. Isso explica porque os filmes de Quentin são tão originais. Ele não brinca de Deus. Ele deixa seus personagens fazerem isso. Mas ele impõe limites. “Eu sou o contador de histórias”, ele diz, “então, se eu tiver que direcionar [os personagens] para um caminho que considero mais interessante ou empolgante, obviamente posso fazer isso. Tenho o poder de fazer isso. Mas tento não fazer.” Em outras palavras, essa regra funciona na teoria, mas nem sempre na prática. Se os personagens estão falando sobre algo mundano ou entediante, é do seu interesse reavaliar a cena e, possivelmente, direcioná-la para algo mais interessante. Além disso, estamos falando de Quentin Tarantino aqui. Seus personagens são tão vívidos e sua imaginação tão ativa que sua versão de "deixar os personagens levarem você para onde querem" será mais interessante do que a versão média do escritor. Então, não presuma que seguir este conselho será automaticamente um sucesso. Às vezes, você precisa intervir.
4) Não tenha medo de momentos desconfortáveis
Já sei que esta dica vai incomodar algumas pessoas, mas é uma das coisas que diferencia Tarantino. Desde aquela brutal cena de tortura em Cães de Aluguel, Quentin não tem medo de enfrentar a patrulha do politicamente correto. Aqui, Rogan menciona a cena de Os Oito Odiados onde a personagem de Jennifer Jason Leigh é brutalmente espancada e basicamente pergunta a Tarantino: “Isso é aceitável?”, considerando que era uma mulher. A resposta de Tarantino foi que, claro, era aceitável. Essa era uma mulher realmente má que fez coisas muito ruins. Se ela fosse um homem e tivesse feito exatamente as mesmas coisas, todos aceitariam que ele fosse espancado. Então, por que o gênero dela deveria importar? Ele reconheceu que é mais difícil assistir. Mas esse era o ponto. Ele queria que aquele momento fosse desconfortável. Foi uma escolha artística deliberada. Isso é uma grande razão pela qual os filmes de Tarantino são tão diferentes. Ele está confortável em fazer as pessoas se sentirem desconfortáveis. Então, você pode ser o artista que fica dentro dos limites e escreve coisas seguras e confortáveis. Ou pode ser aquele que se destaca.
5) Fazer um filme é mais fácil do que nunca
Fora talvez Robert Rodriguez e Kevin Smith, Quentin é o cineasta artesanal original. Quando ele conseguiu dinheiro em sua conta bancária, seu único foco era descobrir como usar esse dinheiro para fazer um filme. Ele ganhou 30 mil dólares por escrever Amor à Queima-Roupa e seu primeiro pensamento foi: “Vou fazer Cães de Aluguel com esse dinheiro.” Você tem que entender o quão insana era a ideia de fazer um filme por 30 mil dólares em 1991. Só o custo de processamento do filme provavelmente já era 30 mil. Mas a mentalidade naquela época era: DESCOBRIR COMO FAZER. Faça o que for preciso para conseguir fazer seu filme. Acontece que um produtor conseguiu levantar um milhão de dólares para Tarantino fazer Cães de Aluguel. Mas ele teria feito o filme com 30 mil se precisasse. Menciono isso porque a barreira de entrada para fazer um filme hoje, em comparação com 1991, é pelo menos 10 vezes menor. Eu sei que nem todo roteirista quer ser diretor. Mas, se você está interessado em dirigir de alguma forma, canalize o espírito original de Tarantino de fazer o filme custe o que custar. Ainda é a maneira mais rápida de entrar na indústria.
6) Conselho de Tarantino para bloqueio criativo
O processo de Tarantino funciona assim: ele escreve uma cena e, se não terminar a cena, ele se afasta do bloco de notas (ele ainda escreve à mão) e só pensa na cena em termos do que poderia melhorá-la e para onde ela poderia ir em seguida. Então, ele volta ao bloco de notas, anota todas essas ideias e então NÃO AS ESCREVE. Ele espera até o dia seguinte para implementar essas coisas. Se ele *termina* uma cena, utiliza esse mesmo processo, mas se concentra mais na próxima cena e em para onde ela pode ir. Depois, ele anota as ideias e encerra o dia. Dessa forma, ele sempre começa a sessão de escrita do dia seguinte com impulso. Porque ele sempre tem algo preparado para escrever.
7) O público precisa de alguém para torcer
Um dos filmes menos bem-sucedidos de Tarantino é Os Oito Odiados. Ele reconheceu, após ler críticas do filme, que fez uma escolha da qual o filme não conseguiu se recuperar, que foi fazer com que todos os personagens fossem vilões (por isso são chamados de “Oito Odiados”). E, embora ele pessoalmente ame o filme, aprendeu que fazer um filme sem ninguém por quem torcer não é a melhor ideia.
8) Diversão
Tarantino fala o tempo todo sobre filmes violentos que o inspiraram. Ele fala sobre Perseguidor Implacável, Taxi Driver, Caminhos Perigosos. Mas esses filmes nunca tocaram a popularidade ou o sucesso de bilheteria de um filme de Tarantino. E acho que o motivo é que Tarantino gosta de se divertir em seus filmes. Não importa o quão sombrios ou violentos seus filmes fiquem, eles têm muitas piadas, muitos momentos divertidos, muitos diálogos cativantes. O que ele fez basicamente foi descobrir como popularizar o cinema sombrio. Ele o tornou divertido. Não estou dizendo que você precisa fazer isso. Mas, se você está escrevendo algo sombrio e quer expandir seu público (ou seja, atrair mais produtores), considere fazer o que Tarantino faz e adicionar esses momentos divertidos, essas piadas, esses diálogos.
9) Tarantino não gosta de arcos de personagem
Ao ouvir Tarantino falar, você percebe seu desprezo por filmes que têm heróis que agem de uma maneira por 70 minutos, apenas para mudar completamente e se tornarem uma pessoa mais amável e íntegra nos últimos 30 minutos. Você percebe que ele não compra essa ideia. Ele não vê autenticidade nisso. E se você observar seu último filme, verá que nenhum dos três personagens principais – Rick Dalton, Cliff Booth ou Sharon Tate – muda ao longo do filme. Eles são exatamente as mesmas pessoas no final. Entendo que forçar artificialmente uma transformação de personagem no final do filme é uma fraqueza. Mas é difícil vender personagens que não aprendem nada ao longo de sua jornada. Isso exige uma habilidade de escrita muito superior pra que não gere insatisfação do público. Outros elementos devem entrar na narrativa pra deixar essa história mais interessante.