2+2 é melhor do que 4
Como envolver sua audiência e permitir que eles descubram por si mesmos.
Falei ontem em outro artigo que Andrew Stanton, autor de grandes roteiros como Wall-E, Procurando Nemo e Toy Story, tem uma regra para escrever uma história: nunca dê 4 para sua audiência, ao invés disso dê 2+2. Segundo ele, a audiência gosta de trabalhar, de pensar e de chegar a conclusões. Quando chegamos às conclusões por ela, perdemos a oportunidade de gerar engajamento.
E isso é verdade. Observamos essa regra em muitos filmes, livros e rotinas de comediantes. Vemos isso quando um comediante diz uma frase e, antes mesmo de ele chegar ao punch line (aquele momento em que a piada é concluída) você já antecipou a conclusão e já começou a rir. É aquele momento em que apenas uma pista foi deixada, e você foi capaz de pegar a referência e entender a piada. Quando isso acontece, o comediante muitas vezes sequer finaliza a piada, pois você foi capaz de fazer isso sozinho.
Um exemplo que o Andrew Stanton usa é particularmente engraçado. Veja só:
Um turista está viajando de mochila pelas montanhas da Escócia, e para em um bar para uma bebida. E as únicas pessoas lá são um garçom e um homem velho tomando uma cerveja. Ele pede uma caneca de cerveja, e eles se sentam em silêncio por algum tempo. De repente, o velho se volta para ele e diz: "Você vê este bar? Construí este bar com minhas próprias mãos usando a melhor madeira do condado. Dei a ele mais amor e carinho que a meu próprio filho. Mas você acha que me chamam de MacGregor, o construtor do bar? Não". O velho aponta para a janela. "Você vê aquele muro de pedras ali fora? Construí aquele muro de pedra com minhas próprias mãos. Encontrei cada pedra, arrumei-as assim debaixo de chuva e frio. Mas me chamam de MacGregor, o construtor do muro de pedra? Não." Aponta pela janela. "Você vê aquele píer no lago lá fora? Construí aquele píer com minhas próprias mãos. Empilhei a madeira contra a força da areia, tábua por tábua. Mas me chamam de MacGregor, o construtor do píer? Não. Mas você fode uma única cabra..."
Se você consegue que sua audiência entenda sem que seja explicado, é sempre melhor. Aliás, piadas explicadas são provavelmente a coisa mais decepcionante que existe, junto com feijão no pote de sorvete.
Em filmes já vimos isso muitas vezes. Comumente isso é feito através da Arma de Tchekhov, mas também através de pistas que são deixadas para que o espectador crie uma teoria sobre o que vai acontecer. No entanto, podemos fazer o leitor/espectador trabalhar de formas mais sutis, principalmente através da regra do Show, don’t Tell (Mostre, não Conte). Quando dizemos que um personagem está feliz, passamos uma informação para o leitor. Mas quando mostramos o personagem feliz, fazendo coisas que criam essa emoção, então o leitor se emociona junto com o personagem. Para isso, o leitor sabe que precisa prestar atenção nos detalhes, se envolver e se colocar no lugar do personagem. Isso dá trabalho, mas o leitor não se importa em trabalhar, pois ele é recompensado com sentimentos.
Pense na forma como Hemingway descreve a atitude de Santiago, o protagonista em O Velho e o Mar. Em nenhum momento Hemingway diz que Santiago está deprimido e que é solitário. Mas a descrição que ele faz da vida de Santiago, da sua maré de azar, de seu único amigo, um garoto que foi proibido de pescar com ele, de sua casa humilde, tudo isso nos leva a empatizar com Santiago e sentir compaixão por ele. Hemingway poderia simplesmente ter dito: Santiago era um homem triste e solitário, mas ao invés disso ele nos fez sentirmo-nos igualmente tristes e solitários com sua prosa.
O escritor não precisa dizer os motivos de seu personagem. Em nenhum momento Bilbo diz: Eu quero ser mais corajoso e aventureiro como a minha mãe. Frodo não diz: Eu quero preservar a beleza do Condado. A família Joad, no livro As Vinhas da Ira, não declara: Queremos uma vida digna! Nem Hadji Murad diz: Eu quero ser livre! Mas nós sabemos o que eles queriam, e apenas por que os autores souberam nos mostrar através de toda a complexidade da vida dessas pessoas.
Então, da próxima vez que for escrever, não o faça sozinho. Deixe que algumas lacunas sejam preenchidas pelos seus leitores, eles ficarão gratos.
Bem didático, sensacional! Parabéns, Jurandir.